O parnasianismo, entre nós, foi especialmente uma reação de cultura. É mesmo isso que o torna simpático... As academias de arte, algumas delas, até ridículas superfetações1 em nosso meio, como a de Belas Artes da Missão Lebreton, mesmo criadas muito anteriormente, só nesse período começam a produzir verdadeiros frutos nativos, na pintura, na música. Se dava então um progresso cultural verdadeiramente fatal, escolas que tradicionalizavam seu tipo, maior difusão de leitura, maior difusão da imprensa. Essa difusão de cultura atingiu também a poesia. Excetuado um Gonçalves Dias, a nossa poesia romântica é fundamentalmente um lirismo inculto. Todo o nosso romantismo se caracteriza bem brasileiramente por essa poesia analfabeta, canto de passarinho, ou melhor, canto de cantador; em sensível oposição à poética culteranista anterior. Mesmo da escola mineira, que, se não se poderá dizer culteranista, era bastante cultivada, principalmente com Cláudio Manuel e Dirceu. É possível reconhecer que os nossos românticos liam muito os poetas e poetastros estrangeiros do tempo. Isso lhes deu apenas uma chuvarada de citações para epígrafe de seus poemas; por dentro, estes poemas perseveraram edenicamente analfabetos.
A necessidade nova de cultura, se em grande parte produziu apenas, em nossos parnasianos, maior leitura e consequente enriquecimento de temática em sua poesia, teve uma consequência que me parece fundamental. Levou poetas e prosadores em geral a um.... culteranismo novo, o bem falar conforme às regras das gramáticas lusas. Com isso foi abandonada aquela franca tendência pra escrever apenas pondo em estilo gráfico a linguagem falada, com que os românticos estavam caminhando vertiginosamente para a fixação estilística de uma língua nacional. Os parnasianos, e foi talvez o seu maior crime, deformaram a língua nascente, “em prol do estilo”. [...]
Essa foi a grande transformação. Uma necessidade de maior extensão de cultivo intelectual para o poeta, atingiu também a poesia. Da língua boa passou-se para a língua certa.
(ANDRADE, Mário de. Parnasianismo. In: O empalhador de passarinhos. 3.ed. São Paulo: Martins; Brasília: INL, 1972, p. 11-2)
superfetações1: A palavra significa, literalmente, fecundação de um segundo óvulo, no curso de uma gestação. Mário de Andrade a emprega em sentido figurado.
Questão 50
À vista do texto e das teses correntes sobre os estilos de época em nossa literatura, é correto afirmar que, nesse texto, Mário de Andrade
(A) recusa-se a ver aspectos culturais positivos na arte parnasiana, que considera culteranista, tal qual a escola mineira (o arcadismo), na qual ele reconhece simplicidade no tratamento da linguagem.
(B) reconhece, na simplicidade da linguagem romântica, a aproximação entre língua escrita e língua falada, o esforço para afirmação de uma língua nacional na poesia, tal qual ocorreu na linguagem modernista.
(C) manifesta sua aprovação ao projeto parnasiano de afirmar uma língua certa, em lugar de uma língua boa, visto que esta última servia apenas para expressar o atraso intelectual do país.
(D) contesta a importância que nossa cultura letrada dá a Gonçalves Dias, o qual ele entende ser uma exceção no quadro de uma poesia que já se afirmava como nacionalista.
(E) adere às teses estilísticas do parnasianismo, as quais caracteriza como culto à forma, em especial pela contribuição daquelas para afirmar uma autêntica língua brasileira.
Questão 51
A construção, empregada por Mário de Andrade, que mais se desvia da norma culta do português escrito, para expressar tendência da língua coloquial falada, é:
(A) Se dava então um progresso cultural verdadeiramente fatal.
(B) É mesmo isso que o torna simpático...
(C) ...o bem falar conforme às regras das gramáticas lusas.
(D) Isso lhes deu apenas uma chuvarada de citações para epígrafe de seus poemas.
(E) Todo o nosso romantismo se caracteriza bem brasileiramente por essa poesia analfabeta.
Questão 52
Assinale a alternativa em que a expressão entre parênteses substitui a que está destacada no trecho, sem prejuízo de sentido do original.
(A) A necessidade nova de cultura, se em grande parte produziu apenas, em nossos parnasianos, maior leitura e consequente enriquecimento de temática em sua poesia, teve uma consequência que me parece fundamental. (entretanto)
(B) O parnasianismo, entre nós, foi especialmente uma reação de cultura. É mesmo isso que o torna simpático... (eventualmente)
(C) Excetuado um Gonçalves Dias, a nossa poesia romântica é fundamentalmente um lirismo inculto. (Tampouco com).
(D) A linguagem falada, com que os românticos estavam caminhando vertiginosamente para a fixação estilística de uma língua nacional. (cuja).
(E) As academias de arte, [...], mesmo criadas muito anteriormente, só nesse período começam a produzir verdadeiros frutos nativos, na pintura, na música. (apesar de).
Questão 53
Assinale a alternativa contendo afirmação correta acerca do emprego de palavras no primeiro parágrafo do texto.
(A) Culteranista é um termo que faz referência à cultura como conjunto de conhecimentos intelectuais, isto é, como repertório dos poetas antigos.
(B) A palavra epígrafe se refere à grafia adotada nos textos românticos, os quais passaram a seguir o padrão do português lusitano.
(C) A palavra poetastro está no aumentativo, e seu sentido é pejorativo, para referir-se a poetas ruins lidos por nossos românticos.
(D) Perseverar tem, no contexto, o sentido de afirmar com segurança, dar garantias.
(E) A palavra edenicamente é uma referência elogiosa à opção por trazer referências estrangeiras à poesia nacional.
Questão 54
Observe as palavras então e isso, nos contextos em que se encontram. É correto afirmar que
(A) então é um conectivo com valor conclusivo, equivalente a portanto;
isso reforça a ideia segundo a qual os românticos usaram suas leituras para fazer citações.
(B) então faz referência à ideia, anteriormente expressa, de que o parnasianismo produziu frutos nativos, na pintura e na música;
isso antecipa a afirmação de que os poemas românticos permaneceram edenicamente analfabetos.
(C) então faz referência a um tempo futuro, que é aquele, posterior ao momento parnasiano, em que ocorreria o progresso cultural fatal;
isso introduz uma ideia que é consequência da afirmação de que nossos românticos liam poetas estrangeiros.
(D) então se refere ao período parnasiano, sendo, pois, uma expressão que informa o sentido de tempo;
isso retoma a afirmação anterior, de que os românticos liam muito os poetas e poetastros estrangeiros do tempo.
(E) então tem valor da conjunção logo, servindo para ligar duas afirmações pela noção de causalidade;
isso é utilizado para fazer referência a algo que está distante do falante (como ocorre na frase isso aí).
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